POR SAMUEL SOUZA DE PAULA
Palavras de Coruja
Uma atmosfera espirituosa, uma conexão invisível já havia conquistado sua decisão em fazer parte daquele encontro mágico, encontro que ela nunca imaginara. Encontro que, de forma sutil, despertara as verdades naturais de sua própria consciência sintonizada. Numa noite de lua nova foi que escutou o chamado do coração, e encontrou semelhantes e semelhanças em roda. Sabia que o círculo representava a fluidez, a criatividade e a integração dos aspectos espirituais, mentais, emocionais e físicos no movimento sagrado. Sentia naquela roda que todos eram amigos, mesmo no silêncio, mesmo sem a expressão de nenhum gesto. Parecia que estava sendo abraçada e que palavras chegavam aos seus ouvidos como conforto, como sensação, como um acolhimento antigo, conhecido.
A canção ancestral era cantada no espírito de entrega e encantava sua presença natural, suas mais potentes energias, suas melhores conexões. Sua respiração tornara-se perceptiva, parecia que todo o seu corpo respirava e pulsava no ritmo do coração. Enquanto aprumava seu corpo no contato com o chão, viu ao seu lado uma fonte de águas límpidas que fluía; à sua frente havia a queima de um incenso, a chama de uma vela e as batidas suaves do tambor que nutria a canção
"Somos todos partes de uma luz maior. Nosso corpo é formado por pequeninas luzes, energia. Nossa roda de cura é formada pela reunião das luzes que circulam além das mãos, das energias e intenções.
Todos foram convidados a darem as mãos, a sentirem a união e o simples acordo de respeito, aceitação e gratidão. Era como se ela sentisse que uma prece universal compactasse todas as crenças e os fizesse além, fraternos, naturais. Como se de alguma forma despertasse a certeza de que possuía o instrumento certo e o mais adequado à sua evolução. Lembrou das palavras de um velho que dizia: “O que adianta dar ao melhor violinista um violino sem cordas ou a um ciclista uma bicicleta sem rodas; um não poderá tocar e o outro, a nenhum lugar chegará; são como palitos de fósforo molhados, não fazem fogo! Cuide de seu corpo! Ele é um dom precioso, não o enalteça e nem o rebaixe, afine o seu instrumento”. E ela sentia como se seu corpo e o corpo que formava a roda, como instrumentos, tocassem a mesma canção.
O facilitador, como se adivinhasse o que ela sentia, após uma prece, disse: “Somos todos partes de uma luz maior. Nosso corpo é formado por pequeninas luzes, energia. Nossa roda de cura é formada pela reunião das luzes que circulam além das mãos, das energias e intenções. O planeta, a Mãe Terra, é formado por outras tantas partículas de luzes e é banhada pelos raios luminosos do Sol. Todo o universo compõe-se de luzes visíveis e invisíveis ao olho humano. Tudo isso para dizer que, num gesto simples, no contato da mão nas mãos, estamos interagindo com o universo do outro. Não é apenas calor, nem só energia, é espírito-espírito. Não é por acaso que estamos aqui!”.
“Não é por acaso que estamos aqui!”, repetiu ela em pensamento, visando também as situações que ocorriam em sua vida diária, quando em momentos difíceis parecia ser levada pelo turbilhão das dificuldades ou como se um muro de problemas fosse construído à sua frente. “Não é por acaso que estamos aqui!” Parecia que existiam outras vozes despertando nela uma antiga sabedoria. Sentia naquele momento como se sua responsabilidade sobre sua própria vida lhe fosse devolvida. Nunca havia sido tirada é claro, mas ela mesma é que a oferecia aos outros. Estava aprendendo que respeito é olhar novamente, além da primeira impressão, exatamente o que estava fazendo naquele templo sagrado, dando uma chance de meditar suas escolhas, seus pensamentos, sentimentos e energias. Ela conseguia compreender que a espiritualidade é natural, que tudo aquilo fazia parte de seu tempo e do seu jeito de ser, que estava crescendo com as crises, que estava aprendendo com a vida.
“Começaremos nossa cerimônia xamânica do ‘bastão-que-fala’, muito utilizada pelos nativos norte-americanos”, disse o facilitador, enquanto ela redirecionava sua atenção ao presente. “Este bastão que tenho em mãos foi um presente muito especial”, continuou o facilitador. “Recebi-o em uma das rodas de cura juntamente com a profecia de que ele estaria presente em várias rodas e em muitos espaços sagrados. E assim tem sido; este bastão já sorriu, já chorou, já falou, já calou, já dançou, já cantou, tudo isso com muita verdade. Porque a cerimônia que iremos realizar consiste em partilhar o ‘sagrado ponto de vista’, de partilhar a verdade, de exercer o respeito. Só fala quem estiver com o pau-falante na mão e somente a verdade, enquanto os outros ficam em silêncio. Iremos honrar a sabedoria do outro, iremos respeitar, mesmo que a opinião do outro possa ser diferente da sua. Muitas vezes acontece de suas palavras servirem de gatilho para despertar uma inspiração no outro, uma solução, um sentimento, algo que você esteja precisando. Então, vamos ficar atentos? Não somente aqui, mas em todo lugar pela vida. Esta atenção fará com que você focalize coisas legais em vez de ser levado pelas não tão legais.”
Ela proferiu junto com os outros participantes a concordância de compreensão com um “HOO!”. Identificou-se com o que um dos participantes falou: “Sou honrado pela oportunidade e sabedoria de aqui estar e a tudo realizar. Imagino quantas inspirações este bastão presenciou. Por quantas energias eles fizeram relembrar. Quantas possibilidades poderia criar e criou. Sou muito grato. Não apenas pela cerimônia que estou participando, mas pela oportunidade de passar o bastão e ouvir o outro e todos os outros, na forma ou sem forma. Agradeço a oportunidade de ouvir a mim mesmo. Hoo!”
Sim, ela sentiu como se a coruja falasse diretamente ao seu coração. Como se nas entrelinhas, no vento da inspiração, uma energia muito forte vibrasse em sua consciência. Por vezes, é por meio das coisas simples que a sabedoria acontece. Ela ouviu: “Estamos em constantes mudanças, os meios de comunicação vêm oferecendo um leque cada vez maior de informação. Cada vez mais as pessoas, na minha opinião, têm acesso a coisas preciosas e outras medíocres. Precisamos discernir, escolher e viver aquilo que é mais compatível com nossas idéias, com o que queremos partilhar dentro de nós, no meio que vivemos e no mundo.”
Ela vinha assimilando o que ia sendo dito e muitos outros espíritos-palavras foram criando vida em seu coração. Chegando a sua vez disse, começando baixinho e crescendo em alegria: “Sou alguém que não sabia o que iria encontrar, mas aqui estou. Hoje aprendi com a coruja-que-fala que eu posso fortalecer o espírito da verdade, do caminhar com a palavra, do olho forte e do coração amoroso. Aprendi que posso mudar, passo a passo, e no meu tempo. Aprendi que as preces - e cada palavra que aqui ouvi foi uma prece - possuem uma grande força. Estou me sentindo tão bem. É bom estar em roda, é bom estar com vocês! Hoo!” E passou o bastão...
A cerimônia do bastão-que-fala continuou, seguida da cerimônia do fogo sagrado, mas isto é uma outra história...
Hoje o que posso dizer é que ela está sorrindo mais, meditando mais, agradecendo mais e amando mais. É, o bastão-que-fala está passando de mão em mão em muitas rodas e espaços sagrados... Rezo para que você, querido leitor, possa respeitar sua opinião sagrada e a opinião sagrada dos outros.
Que o Grande Espírito o inspire a fazer da sua vida o verdadeiro caminho da beleza! Paz, Energia, Amor e Luz em sua vida!
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